Símbolo da colonização e da identidade cultural de Erechim, a antiga Igreja Matriz São José segue viva na memória das gerações, como um marco arquitetônico, social e espiritual perdido com a sua demolição
Se estivesse de pé, em 2025 a antiga Igreja Matriz São José de Erechim estaria completando 98 anos de história, testemunhando quase um século da fé, da cultura e do esforço coletivo de um povo que construiu, tijolo por tijolo, uma das mais emblemáticas obras arquitetônicas da região do Alto Uruguai.
Com seus 107 anos de emancipação político-administrativa, Erechim é fruto da força de seus imigrantes. Gerações que, vindas de diferentes partes da Europa, deixaram um legado cultural traduzido em edificações como o Castelinho, a Prefeitura Municipal, a Estação Ferroviária, o prédio dos Correios, além de casas típicas dos colonizadores. Mas nenhuma construção talvez tenha simbolizado tanto a união entre fé, cultura e identidade como a antiga Igreja Matriz São José, no coração da cidade.
Um projeto coletivo, feito com suor, fé e perseverança
De acordo com Elcemina Lúcia Balvedi Pagliosa, no livro “Um mosaico sobre Erechim”, a história da Matriz teve início em 1927, quando começou a ser erguida em alvenaria, com um total de 945 metros quadrados, sob a supervisão do arquiteto Vitorino Zani, de Porto Alegre.
O processo de construção foi uma verdadeira epopeia para a comunidade local: As pedras vieram do Vale Dourado.
A madeira foi uma doação da família Mariga, de Gramado, interior de Erechim. O cimento, símbolo da qualidade da obra, foi importado da Alemanha. Em 1928, o bispo Dom Alço Eusébio da Rocha abençoou a pedra angular, marco que selava o início espiritual da edificação.
Segundo a autora, a obra foi marcada por constantes contratempos devido à dificuldade na obtenção de materiais. Porém, como destacou Molozzi (2017), foi justamente esse cenário de dificuldades que uniu a população em uma corrente de solidariedade e fé. Moradores contribuíam com mão de obra, doações financeiras e com a organização de eventos e festas para arrecadar fundos.
Os sinos que ecoaram na cidade
Um dos símbolos mais lembrados da antiga igreja eram os seus três sinos, fundidos em aço na cidade de Bochum, na Alemanha. Eles chegaram a Erechim em 1937, batizados com os nomes de Jesus, Maria e José, e por décadas marcaram os principais momentos da vida religiosa e social da cidade.
Da beleza arquitetônica à demolição que deixou marcas
A antiga igreja, além de sua relevância religiosa, era uma referência arquitetônica com estilo barroco europeu, abóbadas internas ricamente trabalhadas, altar em mármore e bronze, e um espaço que servia de palco para importantes celebrações e momentos históricos da comunidade.
Porém, a falta de políticas de preservação do patrimônio histórico em Erechim — diferente de cidades vizinhas que até hoje preservam suas igrejas matrizes originais — resultou em uma decisão que até hoje gera polêmica: a demolição da antiga Matriz São José, em 1969.
Embora um plebiscito tenha mostrado maioria pela substituição da construção, muitos apontam até hoje a decisão como um erro histórico. O episódio é lembrado com tristeza por antigos e novos moradores, que reconhecem o valor cultural e afetivo perdido com a demolição.
O legado que permanece na memória
Hoje, a atual Catedral, inaugurada em 1977, representa a continuidade da fé, mas para muitos não carrega o mesmo peso emocional, arquitetônico e histórico da antiga Matriz.
Projetos recentes chegaram a sugerir a construção de uma réplica da antiga igreja, como forma de resgatar parte dessa memória afetiva, mas até o momento nenhuma ação concreta foi efetivada.
O certo é que, mesmo demolida, a antiga Igreja Matriz São José segue viva na história de Erechim, como símbolo de um tempo em que a união de um povo fez surgir, em plena área central da cidade, uma obra que refletia mais que fé: refletia identidade, pertencimento e luta comunitária.